Em “estado de exceção”, o governo brasileiro vem
flexibilizando diversas leis para que os interesses de empresas privadas
prevaleçam nos preparativos para a Copa do Mundo. Os impactos negativos desta
atitude recaem, primeiramente, sobre os segmentos mais excluídos da sociedade.
Em sua defesa, organizações não-governamentais de todo o Brasil vem se
mobilizando na tentativa de intervir e impedir a perversidade do processo.
Abaixo, confira a nota de repúdio da Internacional dos
Trabalhadores da Construção e da Madeira e o Documento da Articulação Popular
Nacional pela garantia dos Direitos Humanos, no contexto dos Megaeventos.
ICM REPUDIA REMOÇÕES FORÇADAS NOS PREPARATIVOS PARA A COPA
DE 2014
A ICM, Internacional dos Trabalhadores da Construção e da
Madeira, vem por meio desta expressar sua preocupação com as recorrentes
notícias de violação de direitos humanos praticados na preparação do Brasil
para receber as Olimpíadas e a Copa do Mundo de 2014, em especial no que diz
respeito a violação do direito à moradia adequada.
Tais notícias têm surgido na mídia por denúncias de
movimentos sociais nacionais e internacionais, e de organizações como a ONU. A
ICM acredita que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são uma importante
celebração mundial da valorização do ser humano e que, portanto, estes eventos
devem ser antes motivo de orgulho para toda a sociedade brasileira do que
motivo para a vergonha. Acreditamos que eventos como a Copa são uma oportunidade
para melhorar a vida da população local por meio da geração de emprego,
trabalho e renda especialmente aos mais jovens e às famílias que vivem nas
regiões mais próximas aos locais dos eventos.
No entanto, na preparação para receber a Copa 2014 no Brasil,
a ICM tem tomado conhecimento sobre situações de completo desrespeito aos
direitos humanos, especialmente em relação ao direito à moradia adequada. Tal
situação se alastra não apenas nas regiões em que há a construção de estádios,
e repete situações já ocorridas nos preparativos aos jogos de 2010 na África do
Sul.
A ICM repudia qualquer forma de violação de direitos humanos
e trabalhistas e recomenda às autoridades brasileiras maior atenção aos
processos de remoção de famílias cujas moradias se encontram em áreas atingidas
pelas obras relacionadas de forma direta ou indireta a esses grandes eventos
esportivos. No mesmo sentido sublinhamos a importância de que se fortaleçam as
práticas de consulta e de participação popular nos processos de planejamento e de
avaliação das obras e das remoções. Acreditamos que tais práticas são
fundamentais para que a Copa do Mundo no Brasil possa deixar um legado de
avanço social, ambiental e econômico no país ao invés de um rastro de violação
dos direitos fundamentais dos seres humanos.
A celebração da Copa do Mundo e das Olimpíadas só será
completa se os direitos humanos e trabalhistas forem respeitados em sua
plenitude.
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A realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em
2016 é a oportunidade de gerar investimentos que reduzam as desigualdades
sociais, com a promoção de melhoria das condições de vida da população
brasileira. Mas o que assistimos em nome da realização destes Megaeventos
Esportivos é a violação de direitos humanos e sociais. Enquanto os governos, organizações
internacionais (FIFA, COI) e empresas envolvidas na promoção dos eventos
anunciam os possíveis benefícios, a experiência internacional das cidades e
países onde já houve a realização de megaeventos demonstrou que os impactos
gerados não significaram melhorias reais nas condições de vida e na ampliação
dos direitos de toda a população, sobretudo das pessoas mais pobres e
vulneráveis.
Em muitos casos, estes megaeventos têm gerado efeitos
negativos sobre diversos segmentos sociais, especialmente sobre aqueles que
historicamente são excluídos/as, como: moradores/as de assentamentos informais,
migrantes, moradores em situação de rua, trabalhadores/as sexuais, mulheres,
crianças e adolescentes, comunidades indígenas e afrodescendentes,
vendedores/as ambulantes e outros trabalhadores/as informais, inclusive da
construção civil. As remoções e os despejos forçados destes grupos sociais são
as violações mais comuns no Brasil e em outros países sede de megaeventos.
Seus efeitos perversos são particularmente ampliados através
da imposição do Poder Público e comitês promotores dos eventos, de um
verdadeiro “estado de exceção”, instituído especialmente no contexto dos jogos,
que permite a flexibilização das leis e suspensão de direitos antes e durante
os jogos, ameaçando, assim, os mecanismos de defesa, proteção social, garantia
e promoção de Direitos Humanos.
Já está prevista a quantia de R$ 24 bilhões de recursos
públicos (10 vezes o orçamento do Ministério dos Esportes em 2011) nas obras
das 12 cidades sedes: Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, Manaus, Cuiabá, Rio
de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. Além
deste dinheiro, foi aprovada isenção de impostos para as construtoras dos
estádios e dos campos de treinos nas outras cidades que atuarão como apoio à
Copa, recebendo as seleções. Ora, por que não isentar de impostos a cesta
básica dos/as trabalhadores/as?
Até agora não é evidente que o legado da Copa e das
Olimpíadas contribua minimamente para a inclusão social e ampliação de direitos
sociais, econômicos, culturais e ambientais. Ao contrário, a falta de diálogo e
transparência dos investimentos aponta para a repetição do que ocorreu no
período dos Jogos Panamericanos de 2007, quando assistimos ao desperdício de
recursos públicos (de acordo com o TCU, mais de R$ 3,4 bilhões foram gastos de
forma indevida, mas ninguém foi punido) em obras superfaturadas que se
transformaram em elefantes brancos e, tão ou mais grave, o abandono de todas as
“promessas” que geraram na sociedade, expectativas de algum “legado social”.
Se forem contabilizados os recursos investidos para a
construção de equipamentos para Copa e Olimpíadas, o país poderia diminuir o
déficit habitacional, ampliar o acesso aos serviços urbanos básicos, promover
melhorias socioambientais, programas de trabalho e renda, investir na saúde
pública e na educação. Além disso, poderia construir uma política esportiva que
promovesse o esporte amador, além do esporte de alto rendimento e não
beneficiar quem faz do esporte,fonte de acumulação de poder e de riquezas.
Danielle Sena